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O papel da agricultura vertical na procura por práticas sustentáveis

O papel da agricultura vertical na procura por práticas sustentáveis

O cenário é dos piores. Estima-se que no ano 2050, oito em cada dez habitantes do planeta Terra viverão em cidades. Até lá, indica a ONU, a população mundial deve aumentar em cerca de 3 biliões de pessoas, chegando mesmo aos 10 biliões. Para alimentar toda esta gente, mantidas as práticas agrícolas atuais, será necessário 1 bilião de hectares de nova terra.

Hoje em dia, 80% do solo adequado à agricultura está comprometido. Detalhe: 15% dele está estragado, devastado pelo uso inadequado.

Tão claro quanto óbvio — do jeito que está, impossível continuar. Em pouco tempo não haverá terra arável para alimentar todo mundo. “E o que pode ser feito para impedir esse desastre?”, provoca Dickson Despommier, 79 anos, professor de microbiologia e saúde pública da Universidade Columbia, nos Estados Unidos.

Há esperança. E ela está... nas cidades. Sim, o futuro da alimentação também está dentro de edifícios, contentores e hortas mundo fora. Em tempos de escassez de terreno fértil e limitações climáticas, parte da solução para o esgotamento do campo, a fome e a busca por um mundo mais sustentável passa necessariamente pelas hortas urbanas; em especial as verticais — cujo conceito foi desenvolvido, no final dos anos 90, por Dickson. “O cultivo vertical pode ser alocado em qualquer lugar do mundo e permite o cultivo das plantas comestíveis mais consumidas, essenciais para uma dieta equilibrada”, defendeu o professor de Columbia.

hortas verticais

Graças ao aperfeiçoamento de ferramentas como sensores de internet das coisas, ciência de dados, inteligência artificial e big data, o cultivo vertical permite ganhos ao longo de toda a cadeia produtiva — do momento do cultivo das sementes à chegada do alimento no prato do consumidor. Até 2025, o setor de agricultura vertical, apenas ele, deve movimentar US$ 9,6 bilhões, crescendo a uma taxa composta anual (CAGR) de 21,3%, segundo relatório de abril de 2019, da empresa de consultoria americana Grand View Research. As novas tecnologias estão na base desse movimento. Os olhos dos investidores brilham.

Em julho do ano passado, no maior aporte já feito até então para uma agtech, o grupo japonês SoftBank investiu US$ 200 milhões na Plenty. Fundada em 2014 em São Francisco por Matt Barnard (atual CEO), Nate Storey, Jack Oslan e Nate Mazonson, a startup cultiva hortaliças e frutas em torres de seis metros de altura. É belíssimo — as plantas estão projetadas para fora, formando paredes enormes de mostarda, kale, alface, tomate... Na horta Tigris, as verduras e frutas crescem num substrato produzido a partir de garrafas plásticas recicladas. Por enquanto, a produção está restrita à baía de São Francisco, mas a empresa pretende construir uma horta com cerca de 9,3 mil metros quadrados, na cidade de Kent, próxima a Seattle, no estado de Washington. Os planos de expansão também incluem China e Japão.

Mais um exemplo da efervescência do setor? Em dezembro de 2018, menos de dois anos depois de seu lançamento, a agtech Bowery, de Nova York, levantou US$ 95 milhões numa ronda de investimentos liderada pela Google Ventures. Alguns meses antes, Irving Fain, CEO e cofundador da startup, convidou Brian Donato para deixar o cargo de diretor de operações da Amazon e assumir o posto de vice-presidente sénior de operações da horta nova-iorquina. O executivo aceitou.

A agricultura vertical exige apenas 5 a 1% da água usada nas explorações a céu aberto

O entusiasmo em torno da agricultura vertical é compreensível. As hortas indoor provaram até agora que são mais rentáveis do que as horizontais, em campo aberto. A começar por economia de espaço e ganho de produtividade. Em 2017, três jovens engenheiros fundaram a Pink Farms, em São Paulo Brasil. A primeira e maior horta urbana vertical da América Latina está instalada numa área ao lado da agitadíssima Marginal Tietê. A produção comercial começou em junho do ano passado e, por enquanto, as plantações estão alojadas numa torre de oito andares, cuja base mede 18,5 metros quadrados. “No campo, isso equivaleria a 1.850 metros quadrados”, diz Geraldo Maia, 28 anos, sócio-fundador da Pink Farms. “Por metro quadrado de chão, nós somos cem vezes mais produtivos.” Na agricultura vertical, o agricultor tem o poder total sobre o ambiente. Luz, temperatura,humidade, irrigação... Toucas, máscaras, luvas e protetores de sapato... Entrar na área de cultivo da horta paulistana requer uma assepsia tão (ou mais) rigorosa quanto a exigida nas UTIs dos melhores hospitais.

Como as plantações estão protegidas das intempéries e do ataque de pragas, os alimentos cultivados indoor dispensam o uso de agrotóxicos. Orgânicos, suspiram os consumidores modernos, mais bem informados. Nas hortas urbanas, os negócios não se guiam mais pelo ritmo das estações. Lâmpadas LED fazem as vezes de sol. O agricultor 4.0 consegue ajustar o comprimento de onda mais adequado a cada espécie. Dia e noite. Claro e escuro. Rosa e azul... É a fotossíntese hightech na produção de alimentos, com uma concentração maior de vitaminas e minerais em comparação aos produtos cultivados ao ar livre. Como costuma dizer Nick Kalayjian, vice-presidente sénior de engenharia da Plenty, “damos às plantas o ambiente perfeito para que elas sejam as melhores e mais desejáveis versões de si mesmas”. O prato ganha alimentos mais saborosos e nutritivos.

Na província de Miyagi, no leste do Japão, os pés de alface crescem num ritmo até 40 vezes maior do que nos campos tradicionais. Graças a uma parceria com o biólogo Shigeharu Shimamura, as 17,5 mil lâmpadas LED usadas na plantação foram fabricadas pela GE com ondas no comprimento exato para agilizar o crescimento das plantas. A plantação hightech de Miyagi foi erguida numa fábrica de semicondutores da Sony, abandonada depois do tsunami de 2011. Em 2.322 metros quadrados são produzidas 10 mil cabeças de alface, todos os dias.

hortas verticais

É curioso imaginar uma lavoura sem terra, mas, ao se visitar uma horta vertical, volta-se de lá com os sapatos e a barra das calças tão limpos quanto no momento da chegada — quiçá até mais higienizados. Na agricultura vertical, o cultivo é feito por hidroponia. Por essa técnica, a nutrição das plantas vem de uma mistura de água e sais essenciais.  De novo, as novas tecnologias conseguem determinar com precisão as quantidades necessárias de cada um desses ingredientes. Uma mistura específica para a alface, outro para o agrião, um terceiro para a rúcula... “Com isso, há uma economia de 50% no uso de fertilizantes”, diz Geraldo, da Pink Farms. No campo, esses compostos são despejados no solo. Cabe à raiz da planta captá-los. Para que cumpram seu papel a contento, é necessária uma quantidade bem maior do que se fossem despejados diretamente na raiz. Pelo mesmo motivo, como dispensam o uso da terra, nas hortas verticais, o gasto de água representa apenas de 5% a 1% do consumo nas plantações convencionais.

Como estão nas cidades, as hortas verticais ficam mais próximas dos consumidores e os custos com logística e transporte diminuem — e a emissão de poluentes também. Mas não só isso. Ao queimar etapas, a taxa de desperdício dos produtos reduz sobremaneira. Segundo Geraldo, da Pink Farms, no modelo tradicional de agricultura, 40% da produção de folhosas estraga no caminho entre o campo e os pontos de distribuição e venda, sobretudo por mau acondicionamento e/ou falta de embalagem adequada. Com os alimentos vindos das hortas verticais, o consumidor ganha ao levar para casa alimentos frescos — independentemente do lugar e da época do ano.

Graças à parceria com a agtech americana AeroFarms, aos passageiros da primeira classe e da classe executiva da Singapore Airlines que descolam do Aeroporto International Newark Libert, em Nova York, são oferecidas verduras fresquinhas, pouco tempo depois de colhidas. A estufa está muito perto dali. A AeroFarms foi eleita a agtech mais inovadora de 2019 pela revista Fast Company, na categoria “data science”.

Na configuração do agronegócio 4.0, as hortas verticais têm um papel importante, mas estão longe de ser a solução para todos os males do campo. Com a tecnologia disponível hoje em dia, por exemplo, as culturas estão restritas às hortaliças e alguns legumes e frutas.

Teoricamente, tudo o que cresce na terra poderia ser cultivado numa horta vertical. Mas do ponto de vista financeiro, atualmente, não vale a pena erguer uma plantação de mangas em ambiente fechado. Ou de grãos. “As tecnologias para plantar alimento indoor acabaram de ser inventadas”, diz o professor Dickson, de Columbia. Segundo os entusiastas do modelo de cultivo vertical, é só uma questão de tempo. Pode ser. Cinco anos atrás, dizem os especialistas, as hortas verticais do modo como as conhecemos hoje seriam impensáveis.

Em comparação às explorações em campo aberto, a produtividade das verticais, metro quadrado por metro quadrado de chão, é indubitavelmente maior, mas ainda assim elas pedem espaço. Segundo o professor Dickson, para alimentar 50 mil pessoas, a horta deveria ter uma altura equivalente a 30 andares e uma base do tamanho de meio quarteirão. Para a cidade de São Paulo, seriam necessários 244 edifícios. Para Manhattan, 33. E Pequim, 430.

Por enquanto, para o consumidor, os produtos vindos das hortas indoor são de 10% a 15% mais caros do que seus equivalentes cultivados em campo aberto. Em relação aos orgânicos, porém, tendem a ser de 15% a 20% mais baratos. “O custo pode ser um limite hoje”, concorda Dickson. “Mas, em breve, chegará a hora em que eles serão subsidiados pelos governos, de modo a garantir alimentos saudáveis e sustentáveis para todos os cidadãos, em todos os países.” Há esperança.

Vegetais que vêm do frio

A mil quilômetros do Polo Norte, no arquipélago Svalbard, na Noruega, grande parte dos alimentos chega de navio ou avião. Preocupado com a emissão de CO2 e o uso excessivo de plástico, o americano Benjamin Vidmar fundou a Polar Permaculture, uma horta sustentável no gelo. No verão, quando há luz 24 horas por dia, Benjamin produz verduras e legumes. No inverno, quando as temperaturas podem chegar a -30ºC durante os quatro meses de escuridão, ele cultiva microgreens, vegetais em estado jovem, com alto teor de nutrientes e sabor intenso. As sobras viram adubo para o minhocário.

hortas verticais

O túnel que virou estufa

Construído na década de 70 e abandonado em 2002, um túnel no condado de Okcheon, a cerca de 200 km ao norte de Seul, na Coreia do Sul, abriga a NextOn. Numa uma área de 2,3 mil metros quadrados, sob o comando de Choi Jae-bin, a horta produz verduras e legumes. Apenas 16% da área total do país é usada pela agricultura e, nas últimas quatro décadas, a população rural foi reduzida à metade — enquanto o crescimento populacional chegou a 40%. No ano passado, o governo sul-coreano lançou um programa de investimentos em agricultura vertical.

Bons cultivos ;)

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